Dieta Paleo e Dietas Low Carb / High Fat – tudo farinha do mesmo saco?

Frequentemente percebo uma grande confusão entre conceitos como Dieta Paleo (ou Paleolítica) e dietas Low Carb/High Fat, como se tudo fosse exatamente a mesma coisa, então resolvi tentar explicar.

alimentos paleo

Anteriormente eu já havia falado a respeito da Dieta Paleolítica, que inclusive foi tema do meu TCC na pós de Nutrição Clínica e Funcional, nesse post aqui. Estou muito longe de me considerar uma especialista ou mesmo pesquisadora do assunto pois nunca fui a campo, como o prof Staffan Lindeberg, da Universidade de Lund na Suécia, por exemplo. Mas há pelo menos uns 3 anos que me debruço atentamente sobre este assunto e tenho procurado aprender com quem estuda o tema a sério, há mais tempo que eu. Assim, não há como falar deste tema, sem citar nomes como o do próprio Sttafan Lindeberg, que conduziu o estudo de Kitava na década de 1990 e pesquisadores não menos importantes como Tommy Jöhnsson, Linda Frassetto, Loren Cordain, Boyd Eaton, Fritz Muskiet, Bodo Melnik, Remko Kuipers, Maelan Fontes Villalba e o meu amigo, Pedro Carrera Bastos. Todos eles tem artigos publicados sobre o tema, que podem ser encontrados no Pubmed, base de dados de artigos científicos (alguns já estou disponibilizando os links aqui mesmo, ao longo do texto, para quem quiser estudar um pouco mais). Também recomendo a leitura deste texto, do Oscar Picazo: http://oscarpicazo.es/2012/10/10/busquemos-la-verdad/

É óbvio que não dá pra generalizar (até porque cada pesquisador tem uma linha de raciocínio e de trabalho e os trabalhos não são todos iguais), mas de uma forma bem geral, eu arriscaria dizer que todos eles são unânimes numa coisa …o que não era consumido durante o Paleolítico e nos benefícios à saúde deste modelo ou template alimentar. Em relação aos benefícios, os artigos apontam para melhora no controle do diabetes mellitus e reversão da resistência insulinica, melhora da inflamação em doenças autoimunes, tratamento da síndrome metabólica e prevenção de doenças cardiovasculares  e melhor controle do peso corporal, entre outros benefícios.

Por motivos pra lá de óbvios, já que estamos falando de um tempo onde o ser humano vivia da caça e da coleta, que sequer possuía uma “casa de verdade” e local onde armazenar alimentos, a alimentação consistia em tudo aquilo que não necessitasse de técnicas culinárias elaboradas ou armazenamento por tempo prolongado, já que tudo estragava bem depressa.

caverna paleo

Então “alimentos” como bacon e embutidos, por exemplo, não estavam na lista. Laticínios muito menos! Aliás, aqui cabe um parêntese: nossos ancestrais podiam ser valentes e habilidosos caçadores, mas eu apostaria, sem medo de errar, que nenhum deles era louco o suficiente para desafiar uma fêmea de qualquer animal selvagem com seu filhote, apenas para beber leite! Quem tem animais de estimação em casa sabe muito bem como as fêmas protegem seus filhotes… se dóceis cachorrinhas se transformam em feras quando sua cria está sob ameaça, imaginemos a cena de alguém tentando se aproximar de uma búfala selvagem e seu filhote…

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Em relação aos laticínios, infelizmente o problema não fica por aqui, principalmente se estivermos falando de pessoas com sobrepeso, resistência insulínica, diabetes, acne e SOP. Nunca é demais lembrar que o leite, antes de ser um alimento, é um verdadeiro promotor de crescimento… e sua ação nesse sentido ocorre ao estimular a liberação de insulina (por isso dizemos que leite e derivados possuem um elevado índice insulinênico), Tal fato se deve ao perfil de aminoácidos de suas proteínas, com alto teor do aminoácido leucina, capaz de estimular uma das principais vias de sinalização de crescimento celular, a via do mTOR. Se por um lado o estímulo a essa via é vantajoso para aqueles que buscam aumentar sua massa muscular, ou estão desnutridos ou mesmo em fase de crescimento, pode ser um péssimo negógio para quem tem acne, sobrepeso/obesidade ou mesmo fatores de risco para o desenvolvimento de câncer e doenças neurodegenerativas. E o que temos visto em muitas dietas low carb/high fat é um estímulo ao consumo desenfreado de laticínios, que num primeiro momento até ajuda a diminuir o peso, mas que a longo prazo, não é sustentável…

Além disso, açúcar, sal, refrigerantes, farinhas e seus derivados, como pães, bolos, biscoitos, salgadinhos e produtos industrializados, tampouco existiam. Então o que sobrava pra nossos ancestrais consumirem? Bem… isso dependia muito do local onde moravam e da estação do ano em que se encontravam, mas o fato é que nenhum deles estava preocupado com conferir calorias, quantidade de carboidratos e índice glicêmico do encontravam para comer. A regra básica era: é de comer? “Bora comer!”. É venenoso (e geralmente isso só era descoberto após alguns acidentes fatais), então não serve! Simples (talvez nem tanto), assim! E como eles podiam ao menos suspeitar se era comida ou veneno? O sabor dava pistas… se adocicado, era comida… se fosse amargo, as chances de ser venenoso, eram grandes. Hoje em dia, já não podemos mais confiar tanto nisso, já que há uma infinidade de “venenos” adocicados sendo vendidos por aí como “comida” e há diversos medicamentos amargos…

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Mas como eu estava dizendo, a questão que norteava a escolha de alimentos era a necessidade de sobrevivência, então nada podia ser desperdiçado… então, valia tudo, inclusive comer toda a gordura dos animais abatidos e todas as frutas e tubérculos encontrados, sem qualquer preocupação com níveis glicêmicos e aumento de insulina… e qualquer coisa que servisse para enriquecer as refeições, era bem vindo: ovos, mel e até mesmo larvas e insetos (ecaaaaa… vc deve estar dizendo nesse exato momento, mas lembremos que tais ingredientes continuam sendo considerados como alimento em muitas culturas!). E por falar em glicose e insulina, uma das coisas que mais me chamou a atenção nos artigos do prof Lindeberg, é que os habitantes de Kitava apresentavam um consumo elevado de carboidratos (passando dos 60% do valor energético total consumido), porém na forma de tubérculos e frutas e seu consumo de proteína animal era reduzido (só lembrando aqui que os caras moram numa ilha, distantes da civilização e sem grandes possibilidades de criarem enormes rebanhos como os que estamos habituados aqui no Brasil) e ainda assim, pareciam imunes às doenças da civilização… nada de diabetes, nem de síndrome metabólica, ou hipertensão ou doenças cardiovasculares ou mesmo câncer! E apesar de pesarem pouco mais que outras populações com padrão alimentar semelhante ao do Paleolítico, eles não apresentavam sobrepeso! No trabalho publicado por Kuipers (2010), os carboidratos forneciam entre 38-40% do VET

Já num estudo realizado por Cordain, em 2002, a ingestão de carboidratos estava na faixa de 22 a 40% do VET, mas com uma ingestão média de 42g de fibras ao dia.

Então, só a título de exemplificação, se tomarmos por base uma dieta de 2000 Kcal/dia, como as utilizadas como padrão ára muitas recomendações nutricionais atuais, em Kitava, teríamos um consumo diário de (não se assustem!) 300 g de carboidratos! Como cheguei a esse valor? Simples: cada grama de cho (ou de proteína) possui 4Kcal… em 60% de 2000 Kcal, temos 1200 Kcal vindas de CHO; Divindindo-se esse valor por 4, temos 300g.

No estudo de Cordain, a quantidade de CHOs tem uma variação maior, mas ainda assim, o consumo ficaria entre 110 e 200g de carboidratos ao dia.

O padrão alimentar em Kitava, realmente não pode ser considerado low carb, entretanto, os valores mencionados por Cordain, sim, já que para ser low carb, é necessário que a ingestão de carboidratos esteja abaixo dos percentuais recomendados para a população em geral (entre 50 e 70% do VET, se usarmos a edição anterior do Guia Alimentar da População Brasileira). Entretanto, os defensores das dietas Low Carb, praticam e recomendam valores muito mais baixos que estes, que em algumas situações, chegam a meros 20g de CHO ao dia (o que daria em torno de 4, isso mesmo QUATRO por cento do VET!). O que mais me preocupa em relação ás dietas com índices tão baixos assim de carboidratos, é a praticamente total ausência de frutas (geralmente as únicas consumidas são abacate, coco e algumas berries, quando muito) e legumes (vegetais como cenoura, abóbora, beterraba, chuchu, entre outros) e consumo (muitas vezes excessivo) de carnes gordurosas, embutidos e laticínios, no que me parece mais uma mistura (não muito boa) de conceitos vindos das Dietas do Paleolítico, com dietas cetogênicas no estilo das dietas Atkins e Dukan.

Aqui cabe outro parentese: estamos no século XXI e ninguém mais precisa sair pra caçar e podemos os dar ao luxo de manter nossa “caça” guardada e devidamente etiquetada no freezer, para aquece-la no microondas. Da mesma forma, que podemos incluir alimentos que não eram consumidos por nossos ancestrais, como um chocolate amargo por exemplo, ou um suco de fruta natural ou mesmo um cafezinho.

Mas voltando aos carboidratos, eu particularmente fico muito preocupada com taxas tão baixas praticadas por algumas pessoas que se dizem Paleo, visto que nem todos se adaptam metabolicamente a isso e principalmente nós mulheres, estamos mais sujeitas aos efeitos colaterais causados por tamanha restrição… podemos apresentar desde insônia a alterações no humor até distúrbios tireoidianos, queda de cabelo e suspensão da menstruação (com possíveis prejuízos na fertilidade, inclusive). E mesmo quando estamos falando dos homens, tanta restrição, a longo prazo, pode não ser muito benéfica, princpalmente quando pensamos no tanto de antioxidantes e compostos bioativos presentes nos vegetais, que deixam de ser consumidos, e do tanto de gordura de maior potencial inflamatório ingerido. Outra questão é que a gordura dos nossos animais modernos, além da maior concentração de ácidos graxos Ômega-6 (em função da sua alimentação baseada em grãos), torna-se carreadora de uma infinidade de toxinas ambientais, às quais estão diariamente expostos (poluição, medicamentos, derivados do petróleo, agrotóxicos, etc).

Não que eu seja contra o consumo de gorduras ou mesmo defensora de dietas low fat radicais (a não ser em casos realmente necessários, frequentemente vistos nos hospitais), mas penso que precisamos ser muito racionais na escolha das fontes de gordura consumidas! Uma coisa é ingerir coco (cuja gordura ainda possui ação anti fúngica, por exemplo), azeite de oliva e seus polifenóis, abacate e seu betasitosterol (capaz de neutralizar os efeitos do estresse crônico, diminuindo os níveis de cortisol), peixes gordos e seu Ômega-3 de ação anti-inflamatória. Outra coisa bem diferente é comer embutidos industrializados, contendo alto teor de sódio e gordura inflamatória…

Então, como eu havia começado a dizer, bem la no início do texto… Dietas Paleolíticas podem ser low carb sim (mesmo que o consumo de frutas e hortaliças seja alto) quando comparadas ao padrão alimentar ocidental, que contém entre 50 a 70% de carboidratos, fornecidos principalmente por cereais polidos, farinhas refinadas e açúcar (sacarose, xarope de milho, maltodextrina, etc). Mas o mais importante de tudo é a fonte dos carboidratos consumidos e o que mais, além de CHO os alimentos estão fornecendo (e nem vou falar de glúten hoje! Prometo! rsrs).

Mas não é só isso! O foco não pode ser apenas os macronutrientes! As Dietas do Paleolítico continham pouco sódio e cloro e possuiam grande quantidade de potássio e magnésio e nas dietas ocidentais modernas, essas taxas se inverteram… consumimos muito sódio e cloro e pouco potássio e magnésio… os efeitos dessa inversão podem ser vistos nos impactos negativos que causam a saúde, como formação de cálculos renais e desmineralização óssea (e maior risco de osteoporose, mesmo com o elevado consumo de cálcio, vindo dos laticínios), por exemplo. Vale lembrar que quando falamos de sódio, não estamos falando apenas do sal de cozinha, mas também de produtos industrializados de um modo geral, principalmente aqueles que possuem aditivos contendo sódio, como sacarina de sódio, ciclamato de sódio, propionato de sódio, entre tantos outros… e já que vc chegou até aqui, que tal um exercício? Vá até sua despensa e geladeira/freezer e leia atentamente a lista de ingredientes dos produtos que vc tem em casa… tente ao menos encontrar uns 5 que não possuem sódio adicionado…

E onde está o potássio e o magnésio? Exatamente em tudo o que não tem (e não precisa de) rótulo, a começar pelas frutas, que muita gente anda deixando de lado com medo de ingerir carboidratos…

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Cortei o glúten e não consigo emagrecer!

Com tanta gente cortando o glúten da alimentação,pensando justamente em emagrecer, muitos celíacos se assustam ao começarem a engordar após o diagnóstico da Doença Celíaca (DC) e inicio da dieta sem glúten e não conseguem entender os motivos. Decidi então escrever pra tentar explicar porque isso acontece.

Imagem encontrada na internet
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  1. Uma das consequências da DC (antes do diagnóstico) é a atrofia da mucosa intestinal e má absorção de nutrientes. Logo, ao excluirmos o glúten (tirando assim o agente agressor), nosso intestino desinflama, se recupera e voltamos a absorver os nutrientes da maneira adequada.
  2. Após períodos de desnutrição (ou de má absorção), o corpo tenta “correr atrás do prejuízo” e otimiza os mecanismos de absorção, pra tentar tirar o máximo de proveito possível de tudo o que é ingerido;
  3. O glúten, apesar de estar presente na farinha de trigo (e em muitas preparações feitas com ela) é uma proteína. As farinhas usadas para substituir o trigo, contém uma quantidade muito menor de proteínas e mais carboidratos, logo, ao fazermos as substituições, passamos a consumir mais carboidratos (e na forma de farinha refinada, de alto índice glicêmico), o que contribui para o aumento de peso;
  4. Além disso, muitas preparações sem glúten, contém maior quantidade de sal, açúcar e/ou gordura, como forma de “copmpensar” a  falta do gluten na consistencia e textura, o que as torna mais “engordativas” que a versão original.
  5. O sódio, além de favorecer a retenção de líquidos (que pode aumentar o peso,por inchaço), também aumenta a absorção dos carboidratos ingeridos… ou seja, tudo o que contém grande quantidade de sódio também acaba engordando mais!
  6. O fato de lidarmos com uma restrição alimentar, que sabemos que será PRA SEMPRE, nos leva a pensar mais vezes no que vamos comer e aumenta nossa preocupação com o risco de privação alimentar. Isso acaba por nos levar, mesmo que involuntariamente, a buscar mais comida e a comer quantidades maiores ou com maior frequência;
  7. A consciência da privação alimentar também aumenta nosso foco sobre os alimentos substitutos dos que estávamos habituados a consumir e nos faz esquecer de todos aqueles naturalmente isentos de glúten (e geralmente os mais nutritivos e menos calóricos) como frutas, legumes, verduras, carnes magras, arroz, feijão, etc;
  8. Ao prepararmos nossas receitas com ingredientes sem glúten, nem sempre temos com quem dividir os pratos ( e muitas vezes nem queremos dividir… rsrs), e consequentemente acabamos comendo mais;
  9. Ao encontrarmos algo que podemos comer e que seja gostoso, também acabamos comendo mais.
  10. Muitos celíacos não se exercitavam antes do diagnóstico, devido a falta de disposição e energia e continuam sem se exercitar após iniciar a dieta, só que absorvendo melhor tudo o que é ingerido.
  11. Muitos celíacos também apresentam disfunção tireoidiana (hipotireoidismo, Tireoidite de Hashimoto), que favorecem a retenção de líquidos e o ganho de peso, já que o metabolismo se torna mais lento.
Imagem encontrada na internet
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Os fatores que contribuem para o sobrepeso em celíacos são muitos e estes são só alguns exemplos. Mas de um jeito ou de outro, celíacos necessitam de acompanhamento nutricional, realizado por um profissional que entenda do assunto, para que todos estes fatores sejam avaliados, para que deficiências nutricionais sejam avaliadas e tratadas e para promover a adequação do peso e prevenir as complicações do sobrepeso, como o aumento dos níveis de colesterol e de triglicerídios, para tratar a resistência insulínica e para evitar a síndrome metabólica.