Dieta sem glúten realmente causa diabetes?

Antes de mais nada, é importante esclarecer que existe mais de um tipo de diabetes e que, apesar de todos os tipos terem em comum o fato da glicemia aumentar a ponto de se descontrolar (causando inúmeros problemas à saúde), suas causas são diferentes.

A child eating a hot dog while playing on a laptop — Image by © BNP Design Studio/ImageZoo/Corbis

Existe a diabetes tipo I (DMI), muito comum em crianças, mas que pode afetar pessoas mais velhas. Trata-se de uma doença autoimune, na qual as células produtoras de insulina, localizadas no pâncreas (as células beta pancreáticas) são destruídas pelo sistema imunológico, que por algum motivo, alheio à nossa vontade e compreensão, deixa de reconhecê-las como parte do corpo. As poucas células que resistem ao ataque, tentam compensar a produção de insulina, mas chega a um ponto em que não conseguem e aí, só mesmo com dieta e aplicações constantes de insulina exógena é possível controlar a glicemia (“taxa de açúcar no sangue”).

Na DMI, sabe-se que existe o fator genético envolvido (quando há casos de doenças autoimunes na família, mesmo que não seja diabetes), mas outros fatores estão envolvidos, e até o momento, sabe-se que infecções virais na infância e o uso precoce de fórmulas infantis a base de leite de vaca podem ser gatilhos para disparar a doença. E uma vez que a autoimunidade foi ativada, não há como reverte-la, porém, é possível manter um certo controle da inflamação causada por ela, o que ajuda a diminuir a velocidade com que a autodestruição vai acontecer. Para isso, é necessário manter uma dieta com bom controle na quantidade e tipo de carboidratos e priorizar alimentos de ação anti-inflamatória e antioxidante. Nesses casos, a dieta SEM GLÚTEN pode ser benéfica duplamente: primeiro porque é bem comum que a DMI e a doença celíaca (DC) estejam presentes na mesma pessoa e se a DMI se manifestou primeiro, a DC pode não se apresentar com os sintomas clássicos de diarreia e desnutrição. Mas aqui, é fundamental que os exames para DC sejam feitos antes da exclusão do glúten! No segundo caso, a dieta sem glúten pode ajudar no controle glicêmico ao diminuir a inflamação, já que o glúten aumenta a permeabilidade intestinal e pode contribuir para aumentar a inflamação. Porém é FUNDAMENTAL chamar a atenção para o fato de que, quando o foco é diminuir a inflamação, não adianta absolutamente NADA, substituir a farinha de trigo por outras farinhas refinadas em grande quantidade, pois a glicemia continuará alterada e a inflamação continuará existindo! Porém, uma dieta livre de glúten, a base de frutas e hortaliças, arroz integra e feijão, carnes magras, ovos, etc, pode ajudar bastante!

Existe também a diabetes tipo II (DMII), mais comum em adultos, mas que tem afetado um número cada vez maior de pessoas mais jovens. Este tipo está diretamente relacionado aos hábitos alimentares ocidentais modernos (consumo de alimentos processados e ultra processados, como salgadinhos, biscoitos, sucos industrializados, refrigerantes, fast food, mamadeiras engrossadas com farinhas e adoçadas com açúcar, etc), excesso de peso e sedentarismo. Há o fator genético envolvido, porém os fatores ambientes (estilo de vida e alimentação) são os principais agentes causadores! Mudando-se o estilo de vida é possível prevenir o surgimento da DMII e até mesmo reverte-la, depois de instalada, pois nesse caso, não há autodestruição das células que produzem insulina. Aqui há uma sobrecarga destas células… trabalho excessivo para produzir quantidades enormes de insulina, capazes de “neutralizar” o descontrole glicêmico promovido por hábitos alimentares errados e falta de exercício. Quanto mais insulina produzida, mais é necessário produzi, pois ela vai “perdendo seu efeito”, quadro clínico conhecido como resistência insulínica (RI). É importante lembrar que a RI está presente em diversas condições, como na síndrome do ovário policístico, nas pessoas com qualquer grau de sobrepeso, nos obesos e é a RI que causa a DMII e dificulta a perda de peso.

A child eating a hot dog while playing on a laptop

 

E até que ponto uma dieta sem glúten (ou com pouco glúten) poderia causar RI e DMII? A partir do momento em que a alimentação consiste apenas de pães, bolos, biscoitos e massas preparados com farinhas (principalmente as refinadas), como farinha de arroz, o amido de milho, o polvilho, a fécula de batata, além de açúcar, muito sal, refrigerantes, sucos industrializados, e coisas do tipo… ou seja, basicamente as mesmas coisas que uma dieta desequilibrada COM GLÚTEN pode conter...

Aí eu pergunto: é a AUSÊNCIA DE GLÚTEN a responsável pelo DMII nas pessoas? Ou seriam os hábitos alimentares e estilo de vida totalmente equivocados os responsáveis pela doença? Porque se fosse apenas a dieta sem glúten, o esperado seria que todos que consomem glúten jamais se tornassem diabéticos, certo?

E porque tanto alarde envolvendo a dieta sem glúten? Porque infelizmente ainda existe a crença (equivocada) de que na dieta sem glúten só se come farinhas refinadas e mais nada! Em outros países em que acesso a alimentos frescos é mais restrito, isso até pode ser verdade. Mas no Brasil, em que felizmente temos acesso a uma infinidade de alimentos frescos, saudáveis e cheios de fibras, só come errado (e adoece por causa disso) quem quer ou quem não teve acesso à informação!

Pois se a dieta sem glúten estiver baseada em frutas, hortaliças, carnes magras, ovos, arroz e feijão, tubérculos, castanhas e até mesmo uma quantidade moderada de laticínios, não há porque temer o aparecimento da DMII!!!

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Imagem encontrada na internet

Em 2013, a pedido da Fenacelbra, eu elaborei um material para ajudar os celíacos (e os nutricionistas) a pensar na dieta sem glúten como algo muito além das farinhas sem glúten. Esse material está disponível para download gratuito aqui: http://www.fenacelbra.com.br/arquivos/livros_download/10_passos_celiacos_juliana_crucinsky.pdf

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Assim, gostaria de finalizar dizendo que não há motivo para pânico! Dietas com ou sem glúten, desde que bem orientadas, favorecem o controle da glicemia e da diabetes, seja tipo I ou tipo II e podem inclusive PREVENIR e em alguns casos podem até mesmo REVERTER a DMII (desde que o pâncreas não tenha esgotado sua capacidade produzir insulina).

E de lembrar que o glúten é uma proteína de baixo valor biológico, sem qualquer ação protetora à saúde. Seu único benefício relacionado à glicemia, é que pelo fato de não ser completamente digerido pelos seres humanos, ele diminui o índice glicêmico da farinha de trigo, em relação às outras farinhas… apenas isso, além do fato da farinha de trigo integral ter mais fibras que boa parte das farinhas refinadas tradicionalmente usadas nas dietas sem glúten. Mas é possível adicionar fontes de fibras, proteínas e gorduras boas às preparações contendo outras farinhas e existem farinhas sem glúten com alto teor de fibras, como a farinha de coco, de amêndoas, de castanhas, de banana verde, etc. Celíacos fazem isso todos os dias, pois nossa sobrevivência e nossa saúde depende de uma dieta completamente livre de glúten e de contaminação por esta proteína…e nem por isso estamos todos diabéticos! Muito pelo contrário! Ao nos depararmos com uma restrição alimentar, ganhamos a oportunidade de reavaliar a forma como nos alimentamos e descobrimos que podemos comer de forma muito mais saudável que antes!!!

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Imagem do site http://www.riosemgluten.com

Mas também acho importante lembrar que dietas a base de farinhas, tenham glúten ou não, e pobres em fibrasnão são benéficas para NINGUÉM! Farinhas devem ser consumidas com bastante moderação, por todas as pessoas que pretendem preservar a saúde. Portanto, se você tem alguma desordem relacionada ao glúten e precisa de uma dieta sem esta proteína para sobreviver ou se você, por qualquer motivo tenha decidido excluir o glúten da sua vida, procure um Nutricionista, para ter certeza de que está se alimentando corretamente e minimizar as chances de adoecer!

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Dietas Low carb x diabetes

De um tempo pra cá a “dieta low carb” tem sido falada (e praticada) com bastante frequência e atualmente este tem sido um dos principais motivos pelos quais os pacientes me procuram, seja apenas para controlar a glicemia, para prevenir o diabetes (tipo 2) ou para perder peso.

Mas antes de começar a falar dos benefícios da dieta low carb no diabetes, é importante falarmos primeiro sobre o que seria “low carb“…

Pra inicio de conversa não há uma única dieta low carb… e esse é um dos motivos pelos quais não gosto muito de ser chamada de “Nutricionista low carb”, pois low carb pode seguir uma abordagem bastante saudável como nas dietas no estilo Paleolítico (que já falei aqui, aqui e aqui), como pode ser também algo bem “trash” e prejudicial a saúde (quando se exclui frutas e hortaliças, e a alimentação fica a base de embutidos, queijos gordurosos, adoçantes artificiais e até… refrigerantes zero e gelatina diet!).

Outra questão importante é o que se considera e qual a quantidade de carboidratos ingerida…

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Imagem encontrada na internet

Partindo das recomendações habituais de carboidratos numa dieta tradicional padrão, qualquer quantidade abaixo de 50% das calorias diárias vindo dos mesmos ja pode ser considerada low carb. Mas alguns mais radicais só consideram low carb “de verdade” quando a ingestão máxima de carboidratos/dia não passa de 20 gramas!

Eu particularmente considero 20g/dia um valor absurdamente baixo e desnecessário a grande maioria das pessoas e por vários motivos:

Como o cérebro usa preferencialmente a glicose como combustível, o próprio corpo (enquanto usa os corpos cetônicos, vindos da gordura e de alguns aminoácidos) se encarrega de gerar glicose (a partir das proteínas, sejam da alimentação, seja da massa muscular) para o cérebro e isso pode aumentar a glicemia. Além disso, para manter níveis tão baixos de carboidratos, é necessário abrir mão de muitos alimentos saudáveis, como frutas e legumes (principais fontes de compostos bioativos de ação anti-inflamatória e antioxidante; vitaminas, minerais e fibras), ao mesmo tempo em que se aumenta a ingestão de alimentos com mais proteinas e gorduras.

Não que gordura seja tão prejudicial assim (estou falando da gordura naturalmente presente nos alimentos e não há gordura hidrogenada, nem na margarina ou óleos vegetais refinados), mas muita gordura a base de embutidos e laticínios (em vez de gordura das frutas e sementes oleaginosas, por exemplo) aumenta o risco de inflamação e doenças cardiovasculares. Outro problema do excesso de proteínas, embutidos e laticínios é a grande quantidade de sódio presente nestes alimentos, que aumenta o risco de cálculos renais, perda de cálcio ósseo (aumentando o risco de osteoporose) e ainda o risco de câncer de estômago! Também é sempre bom lembrar que diabéticos estão mais propensos a problemas renais (nefropatia diabética)…

Entretanto, quando se faz uma restrição moderada de carboidratos, equilibrando carnes mais magras (e peixes, aves, etc) e ovos com frutas e hortaliças diversas (incluindo tubérculos), é possível equilibrar a glicemia, sem prejudicar o funcionamento renal, protegendo os ossos e ainda mantendo o corpo protegido da inflamação e dos radicais livres. Nesse caso, ao evitar farinhas, pães e massas já reduzimos o carboidrato de forma significativa!

E o que tudo isso tem a ver com o diabetes???

Bom, seja no DMI ou no DMII, é necessário controlar a glicemia e garantir que a insulina (exógena, tomada como medicação ou endógena, produzida pelo próprio corpo) funcione adequadamente*. Em ambas as situações, é preferível manter uma dieta moderadamente baixa em carboidratos (algo em torno de 40% das calorias diárias) de baixo índice glicêmico, bem distribuidos ao longo do dia. Assim, é possível também favorecer a perda de peso e a manutenção de um peso saudável a longo prazo, e ainda garantindo a ingestão de todos os nutrientes necessários à saúde.

Em todos os casos de diabetes, pode-se dizer que há presença inflamação, aumento da permeabilidade intestinal e endotoxemia (passagem dos LPS os dos fragmentos das bactérias intestinais – bactérias “do mal” – para o sangue) e uma dieta nos moldes da Paleo se mostra benéfica, pois diminui a inflamação, diminui a permeabilidade (ao excluir trigo, lácteos e lectinas, proteínas presentes em alguns grãos e farinhas) e ainda (por ter uma boa quantidade de fibras), melhora a microbiota intestinal.

*No DMI, a contagem de carboidratos costuma ser feita, para ajustar a dose de insulina de acordo com cada refeição. É uma boa forma de promover o controle glicêmico, porém é importante chamar a atenção que os carboidratos não são todos iguais e que mesmo que a glicemia baixe com uma dose mais alta de insulina, a formação de AGEs (compostos de glicação avançada) pode ocorrer, prejudicando a saúde, além do aumento dos níveis de colesterol, triglicerídios e esteatose hepática (acumulo de gordura no fígado). A contagem existe para permitir maior flexibilização da dieta, mas não para liberar uma “overdose” de carboidratos de alto índice glicêmico presentes em alimentos pobres em nutrientes!