Estudo de Harvard diz que dieta sem glúten aumenta o risco de diabetes. Será?

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Durante os dias 07 a 10 de março de 2017, a American Heart Association promoveu um meeting (encontro científico) in Portland, Oregon (EUA). Nesse evento, a equipe do Dr. Zong (um dentista chinês) apresentou os resultados de um estudo observacional – prospectivo – com um N representativo (foram avaliadas cerca de 200 mil pessoas), no qual verificaram que dentre essas pessoas, o risco de desenvolver diabetes tipo 2 foi  13% maior (o equivalente a 16 mil pessoas) nos que reduziram a ingestão de glúten (o resumo do estudo pode ser lido aqui). A motivação para o estudo parece ter sido a grande quantidade de mortes/ano pelas complicações do DM2, uma doença metabólica crônica, sobre a qual eu já falei nesse post aqui. Outro ponto, foi o aumento da procura por produtos (industrializados) sem glúten nos EUA.

Pois bem, os próprios pesquisadores terminaram a apresentação dizendo que os resultados SUGEREM aumento do risco, mas que isto NÃO ESTÁ CLARO, e que (obviamente, como em toda pesquisa que se preze), MAIS ESTUDOS SÃO NECESSÁRIOS para avaliar a mesma coisa! Ou seja… a própria equipe que idealizou e conduziu o estudo SABE que esses resultados não são uma sentença definitiva e sabem que muitos outros fatores precisam ser considerados. (Aqui um parêntese pra chamar a atenção sobre como as reportagens que foram publicadas sobre esse estudo já no título conseguiram distorcer o que os pesquisadores falaram! Em momento algum os pesquisadores me parecem ter AFIRMADO que dieta sem glúten CAUSA diabetes! Mas as reportagens e seus desdobramentos, infelizmente, sim!). Além disso, os pesquisadores pegaram a(s) dieta(s) sem glúten (ou com pouco glúten), mas terminaram falando sobre as fibras (porque na realidade é baixa quantidade de fibras e não de glúten, que pode estar por trás do maior risco de diabetes, como eu também já havia falado aqui).

Eles também concluíram o resumo da pesquisa dizendo o seguinte:

Our findings suggest that gluten intake may not exert significant adverse effects on the incidence of T2D or excess weight gain. Limiting gluten from diet is thus unlikely to facilitate T2D prevention and may lead to reduced consumption of cereal fiber or whole grains that help reduce diabetes risk.” (Tradução: Nossos achados sugerem que a ingestão de glúten pode não exercer efeitos adversos significativos na incidencia de DM2 ou excesso de peso. Portanto, é improvável que limitar o glúten da dieta, ajude a prevenir a DM2 e pode levar à redução do consumo de fibra de cereais ou grãos integrais, que ajudam a diminuir o risco de diabetes.)

Eu não conheço os pesquisadores, nem tive ainda chance de ouvir diretamente deles quais seriam tais fatores, mas considerando tudo o que já estudei (inclusive sobre pesquisa) e meus 16 anos de experiência clínica … eu arrisco comentar abaixo, alguns desses possíveis fatores:

Não existe uma única dieta sem glúten! Obviamente precisamos esperar o estudo ser publicado, para sabermos mais detalhes, mas acho pouco provável que  a equipe de pesquisadores tenha dado conta de avaliar completamente a composição da dieta* de cada um dos participantes e de cruzar esses dados com resultados de exames laboratoriais (que indicassem risco prévio para diabetes), fatores genéticos (indicativos de risco de diabetes), peso (e ganho de peso durante as modificações na dieta), altura, circunferência da cintura, atividade física, medicamentos em uso, nível de estresse e tantas outras variáveis que podem influenciar no risco de desenvolver diabetes (se conseguiram fazer isso, pausa para aplaudi-los, porque isso seria um trabalho monstruoso, e só quem conhece os bastidores do mundo das pesquisas sabe do que eu estou falando).

E como eu estava dizendo… existem inúmeras formas de se comer sem glúten (assim como as possibilidades envolvendo o glúten também são infinitas). É possível ter uma alimentação muito pior sem glúten, se a mesma incluir APENAS pães, bolos, biscoitos, massas, refrigerantes, sucos industrializados e fast food… mas aí, vamos pensar, né? Com ou sem glúten, as chances disso adoecer alguém são bem grandes, não? Até porque, a alegação “não contém glúten” na embalagem não é garantia de comida saudável. Pode até ser uma opção segura para nós celíacos, do ponto de vista do glúten (como batatas fritas de pacote e refrigerantes, que sempre me “quebram um galho” quando estou viajando e não acho outras opções pra comer), mas nem sempre são sinônimos de comida saudável!

A dieta tradicional do brasileiro, naturalmente sem glúten (se considerarmos principalmente os hábitos das regiões Norte e Nordeste do país) é bem saudável: tapioca ou tubérculos (aipim/macaxeira, batata doce, inhame) ou banana da terra ou cuscuz de milho (ou mesmo broa de milho) ou açaí com farinha d’água no café da manhã e/ou lanche, arroz com feijão, carne/peixe/frango/porco/ovo e salada/legumes no almoço e jantar, frutas como sobremesa e como lanches intermediários.

Aí eu pergunto: será que quando comíamos assim, realmente nosso risco de ter diabetes era maior do que quando começamos a copiar os americanos, trocando refeições por fast food ou por pizza ou por congelados cheios de aditivos e farinhas? Ou nosso risco aumento quando começamos a adotar porções gigantescas de refrigerante, de biscoitos e snacks? Ou ainda, quando começamos a trocar o arroz e feijão de cada dia por um sanduíche comido às pressas?

Há ainda outras formas de se comer sem glúten, como na Dieta do Paleolítico (sobre a qual já falei aqui, aqui, e aqui), que era o modelo alimentar de TODA a humanidade antes do advento da agricultura e do uso de trigo e outros cereais na alimentação. Ainda hoje, em pleno século XXI, algumas populações ainda seguem o padrão alimentar de seus ancestrais e estas são as populações que exibem o MENOR risco de desenvolver DIABETES e outras doenças crônicas da modernidade. Aí eu pergunto… se o glúten fosse um possível ingrediente PROTETOR, como explicar o menor risco de adoecer exibido por essas pessoas? Talvez realmente o ponto a ser considerado não seja o glúten e sim outros fatores associados…

Enfim… os próprios pesquisadores mencionam as FIBRAS. Bom e o que são fibras? São CARBOIDRATOS** para os quais nós (seres humanos) não possuímos enzimas capazes de digeri-las e elas se tornam alimento das nossas bactérias intestinais e ainda melhoram o funcionamento intestinal, facilitando a eliminação de toxinas presentes nas fezes e produzidas pelas próprias bactérias. As fibras também retardam a absorção da glicose, vinda da alimentação, evitando sobrecargas na glicemia (glicose presente no sangue) e evitando sobrecarga no funcionamento do pâncreas. As fibras também aumentam a sensação de saciedade e, portanto, diminuem a FOME… se temos menos fome, comemos menos… logo, dificilmente engordaremos ou aumentaremos nossa circunferência abdominal, o que consequentemente, nos mantém mais protegidos do diabetes tipo 2.

E será que só é possível obter FIBRAS a partir dos cereais integrais??? A industria alimentícia nos fez acreditar que sim, mas as maiores (e melhores) fontes de fibras são justamente os (SURPRESA!!!)…ALIMENTOS NATURALMENTE ISENTOS DE GLÚTEN!!! Sim!!! As frutas (principalmente as que podem ser consumidas com a casca), as verduras, os legumes, os próprios tubérculos, as leguminosas (os feijões e seus “parentes”: lentilha, ervilha, grão de bico e amendoim) e as oleaginosas (castanha do Pará, de caju, amêndoas, nozes, pistache, macadâmia e o brasileiríssimo BARU, por exemplo). Assim, podemos concluir que, se alguém deixa de comer alimentos feitos com farinha de trigo integral e sua alimentação fica pobre em fibras, é porque a ingestão destes outros alimentos que falei está bem baixa, né? Se bobear, nem existe! Aí eu pergunto: o problema foi a exclusão da farinha contendo glúten? Obviamente que não, né, gente? O problema tá na alimentação pobre e monótona da pessoa!

Aí dá pra falarmos que é a ausência de glúten que causa diabetes? Ou será que são escolhas alimentares totalmente equivocadas, aliadas a uma vida sedentária, estressante, etc?

Em tempo: conheço muitos celíacos e suas histórias e sei que tanto eles, quanto suas famílias (pessoas que fazem a dieta sem glúten “sem necessidade”, apenas para acompnhá-los, por questões de segurança, economia e solidariedade), adquiriram hábitos alimentares muito mais saudáveis DEPOIS da exclusão do glúten, pois conseguiram enxergar que existe vida após a exclusão do glúten e que ela pode ser muito saborosa e saudável!

 

Considerações finais:

*Os pesquisadores trabalharam com um questionário de frequência alimentar para avaliar a dieta dos participantes. Estes questionários, geralmente bem grandes e padronizados, dependem da memória e da paciência de quem o responde e mesmo sendo instrumentos validados e muito utilizados nas pesquisas, não dão conta de mensurar todas as nuances envolvendo a alimentação de ninguém.

** As fibras podem ser celulose (a mesma que está no papelão e nas manchetes dos jornais nos últimos dias, mas também está presente em todas as folhas, na casca das frutas e dos legumes), pectina, amido resistente, FOS e inulina, (presente nas frutas e legumes), galactooligossacarídeos (presentes nos feijões e seus “parentes”), etc.

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10 comentários sobre “Estudo de Harvard diz que dieta sem glúten aumenta o risco de diabetes. Será?

  1. Excelente texto, muito completo, esclarece muitas dúvidas. Sou celíaca, concordo que minha alimentação melhorou muito após a retirada do gluten

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  2. Excelente texto Juliana, realmente a melhor fonte de fibras esta nos legumes , verduras e frutas, totalmente isento de glúten, e não em cereais industrializados. Mas o que sinto dificuldade ainda, e quero ver se pode ajudar, mesmo comendo verduras e frutas, meu intestino não está funcionando bem, não sei se está faltando ainda fibras , porque acho dificil conseguir comer a quantidade de fibras por dia que o corpo precisa. O que nós celiacos podemos fazer para isso melhorar.
    Grande abraço

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    • Olá Jeniffer. As fibras não são o único fator a ser considerado, principalmente no caso dos celíacos. É importante avaliar a ingestão de água, fazer atividade física e avaliar se se não há nenhuma alergia ou intolerância alimentar associada à DC. Por isso o acompanhamento com Nutricionista é fundamental!
      Grande abraço!

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    • Olha Jeniffer, eu não sou nenhum especialista em nutricao, mas posso falar um pouco do que eu passei que era muito parecido com a descrição que você comentou logo ai acima. Você vai fazer o seguinte teste, logo quando nos acordamos o nosso estômago estar bem acido, você irar colocar uma pitada de bicarbonato de sódio em 50 ml de água, e mexer até diluir, logo em seguida vc irar tomar., irar marcar em um relógio 5 minutos., dentro dos 5 minutos vc terár que começar a sentir o gás subir para cima e o ideal é que arote, um pouco . Se por ventura não acontecer nada dentro dos 5 minutos e a prova que seu corpo estar com acidez correta, existe um remédio natural, que vc pode mandar manipular em uma farmácia de manipulação ai em sua cidade , que se chama, (cloridato de betaina ) você pode manipular 300 mg, irar ajudar na sua , o ideal para tomar e no meio da refeição vc toma 1 cápsula, no almoço e na janta , e um composto natural, e retirado da beterraba, 1 semana antes tome um remédio de verme , o ideal é desverminar em 3 e 3 meses, prática de exercícios, também irar te ajudar muito, 15 minutos de sol, sem protetor solar , após isso pode passar um protetor solar , que tem em sua embalagem (ppd) estar protegida contra raios uva e raios uvb

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  3. Sou mãe de um celiaco e adiciono nas preparações fibras como psilium. A maioria das farinhas que encontramos são refinadas (farinha de arroz, féculas, etc).

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    • Olá Celeste,
      Sim, boa parte das farinhas e sem glúten (principalmente as mais baratas, como as que vc mencionou) não contém fibras e é importante adicionar fibras às preparações não só para melhorar a consistencia, como para aumentar o aporte de fibras para o celíaco. Mas como expliquei no texto: nossa dieta não pode se basear apenas nessas farinhas… elas devem ser apenas um complemento e as frutas e hortaliças, a base.
      Gde abraço, Juliana

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  4. Olá Nargiliany,

    Tenho muitos, quase todos em inglês. Nos meus textos sobre glúten há o link para alguns deles. No site de pesquisa Pubmed vc consegue todos eles…basta digitar “gluten” no campo de busca.
    Gde abraço, Juliana.

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