Em muitos estudos científicos, a ALV (alergia ao leite de vaca) é também chamada de “Intolerância ao leite de vaca” (do inglês; “intolerance of cow’s milk”). Apesar de muitos autores utilizarem esta expressão nos artigos, geralmente o foco da pesquisa são as reações alérgicas. Assim, é muito importante, ao traduzirmos tais artigos, termos cuidado para erroneamente não chamarmos a intolerância ao leite de intolerância a lactose, pois tratam-se de duas condições distintas, que necessitam de cuidados em graus diferentes. Muitas vezes, os sintomas de ALV e de IL são os mesmos (diarréia, desconforto e dor abdominal, por exemplo) e o médico e os pesquisadores podem usar a expressão “intolerância ao leite” para classificar o quadro clínico que ainda não foi totalmente esclarecido. Fechar um diagnóstico não é tarefa das mais fáceis, já que muitas doenças podem se manifestar com os mesmos sinais e sintomas e que ainda podem variar de uma pessoa para outra! E nem sempre os testes para diagnóstico de alergia apresentam resultados positivos, pois avaliam somente as alergias mediadas pelas imunoglobulinas da classe IgE. Se estivermos diante de alergias não mediadas por este tipo de anticorpo, os resultados não ajudarão muito e será necessário fazer o teste clínico, com exclusão e posterior re-introdução dos alimentos.
No caso de uma suspeita de ALV, porém, antes da realização dos exames ou mesmo mediante um resultado negativo associado a um quadro clínico sugestivo de alergia, o profissional poderá classificar a doença como “intolerância ao leite”, já que ainda não dispõe de dados “concretos” para afirmar que trata-se de alergia.
E qual a diferença entre Alergia ao Leite de Vaca e Intolerância a Lactose?
A alergia ao leite de vaca (ALV) e a intolerância à lactose (IL) são duas condições diferentes, apesar de causadas por um alimento em comum ( o leite) e de apresentarem sintomas semelhantes.
A IL ocorre porque o organismo não produz ou deixa de produzir a enzima lactase, responsável pela digestão da lactose (açúcar do leite). Em conseqüência, a lactose se acumula no intestino, para onde atrairá água, será fermentada pelas bactérias, com formação de gases, provocando diarréia, cólicas, distensão abdominal, e desconforto. Em alguns casos, não há diarréia, apesar da dor e do desconforto abdominal. Convém lembrar que o ser humano é o único mamífero que continua ingerindo leite após o período desmame, ocasião em que a produção da lactase diminui. Essa diminuição não caracteriza nenhuma doença… é o padrão do ser humano. Padrão esse que foi moldado ao longo dos milhões de anos de existência dos nossos ancestrais. Somente algumas populações, como os nórdicos, por exemplo, em função da necessidade de manter níveis adequados de cálcio e de vitamina D e em função da pouca exposição a luz solar e baixa disponibilidade de outros alimentos, é que foram se adaptando a ingestão de laticínios ao longo da vida, culminando numa mutação genética, que passou a permitir a digestão da lactose até idades mais avançadas. Porém, em todo o mundo, cerca de 65% das pessoas não possuem essa mutação, e portanto, não são capazes de digerir adequadamente a lactose na idade adulta. Mas o que caracteriza a intolerância a lactose, propriamente dita, é a presença de sintomas associados a ingestão de laticínios, pois mesmo pessoas com baixa produção da enzima, ainda são capazes de tolerar pequenas quantidades deste carboidrato diariamente.
A IL pode ser congênita, um caso raro no qual o bebê já nasce sem produzir a enzima lactase e começa a apresentar os sintomas após as primeiras mamadas, pois o leite materno é o que possui a maior quantidade de lactose, quando comparado com os leites de outras espécies.
Há também a IL secundária, que afeta indivíduos que nunca foram intolerantes, após gastroenterites, radioterapia ou quimioterapia, doenças inflamatórias intestinais, doença celíaca, etc. Nesses casos, a IL pode ser transitória ou não, dependendo dos fatores genéticos, mas geralmente a IL tende a piorar com a idade.
A ALV é provocada pelas proteínas presentes no leite, identificadas pelo sistema imunológico como um agressor, um agente estranho que precisa ser combatido. A partir da ingestão destas proteínas o sistema imunológico desencadeia uma verdadeira guerra contra os “agressores”, e esta guerra é a responsável pelos sintomas – diarréia, distensão abdominal, flatulência e ainda: lesões na pele, como urticária e coceira, sintomas respiratórios, inflamação da mucosa intestinal e até pequenos sangramentos intestinais.
Ao contrário, a ALV tende a ser pior nos primeiros anos de vida e seus sintomas podem se suavizar (ou mesmo desaparecer) com o passar dos anos. Muitas vezes esta alergia é desencadeada quando o bebê menor de 6 meses recebe leite de vaca em substituição ao leite materno, principalmente se for filho de pais alérgicos. O uso de fórmulas infantis (muitas vezes dentro da própria maternidade, poucas horas após o nascimento) pode contribuir para o surgimento da alergia e por tal motivo, é importante incentivarmos o aleitamento materno, sempre que possível!
O aparelho digestivo dos bebês está preparado para digerir somente o leite materno, que é um alimento de fácil digestão, contendo proteínas que não causam alergia, mas em muitas situações a mãe não pode amamentar e acaba-se utilizando leite de vaca, no lugar de fórmulas específicas para a idade da criança. Nestes casos, como o intestino ainda não amadureceu o suficiente, ele acaba permitindo de proteínas inteiras ou fragmentos maiores de proteína sejam absorvidos, e ao entrarem na corrente sangüínea, desencadeiam o processo alérgico.
Após esse primeiro contato, toda vez que o leite for ingerido, o organismo agirá da mesma maneira, e os sintomas surgem novamente, porém, nem sempre o problema é percebido logo porque pode ser confundido com a IL ou com outras doenças ou mesmo alergia, mas a outros alimentos, como soja (ou leite de soja), trigo, aveia, etc.
Assim, é importantíssimo ser corretamente diagnosticado, porque o tratamento é diferente!
Na IL o componente que precisa ser excluído, ou pelo menos ingerido em menor quantidade (dependendo do grau de intolerância) é a lactose, enquanto que na ALV deve-se excluir totalmente a proteína e mesmo frações dela, pois até mesmo alimentos “contaminados” com proteínas do leite (os chamados “traços de leite”) podem desencadear o processo alérgico!
Referência Bibliográfica
Barbieri, D., Palma, D. “Gastroenterologia e Nutrição”. São Paulo: Editora Atheneu, 2001.
Heyman, M.B. “Lactose Intolerance in Infants, Children, and Adolescents”. Pediatrics 2006; 118; 1279-1286. Disponível em: www.pediatrics.org
Crittenden, R.G., Bennett, L.E. “Cow’s Milk Allergy: A Complex Disorder”. Journal of the American College of Nutrition. Vol. 24, Nº 6, 582S-591S.
Obs: Adaptação dos textos publicados anteriormente no site Semlactose – See more at: http://www.semlactose.com/index.php/2008/02/18/alergia-ao-leite-de-vaca-x-intolerancia-a-lactose/#sthash.rcCpti6y.dpuf
Olá Juliana! Estou adorando os teus textos. Muito claros, objetivos e informativos. O texto sobre o glúten e a dieta merece ser publicado nos jornais e revistas para acabar de uma vez com tantas informações errôneas e desencontradas. Parabéns! Bjs, Letícia Barreto
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Obrigada, Letícia!
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Incrível! Pelo que eu li, vejo o que passei com minha filha. É exatamente isso!
A ALV é provocada pelas proteínas presentes no leite, identificadas pelo sistema imunológico como um agressor, um agente estranho que precisa ser combatido. diarréia, distensão abdominal, flatulência e ainda: lesões na pele, como urticária e coceira, sintomas respiratórios, inflamação da mucosa intestinal e até pequenos sangramentos intestinais.
O IGE dela deu altíssimo! Obrigada mais uma vez!
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Obrigada, Andrea!
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[…] amamentando (para saber mais sobre estas duas condições, sugiro a leitura desta matéria, desta e desta. Nesses casos, o problema todo está no grande potencial alergenico das proteínas do leite de […]
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